21/01/2010

Crescer, entender.

Logo que nasceu já estavam todos de braços abertos, principalmente o Pai que parecia ter acabado de fazer um golaço e saía comemorando pelo campo de braços abertos como se fosse o Cristo Redentor. Dizia que ensinaria o filhão a jogar futebol, pegar a mulherada, estaria presente no primeiro porre e essas coisas de macho tão bobas. O uniforminho do time do coração foi o primeiro presente, depois uma bola de capotão, o primeiro jogo no estádio - no colo, a chuteirinha... Vocês precisavam ver a festa de aniversário de 1 ano. Toda decorada no melhor estilo boleiragem, bolo com mini jogadores e aquele monte de amigo tiozão do serviço que nem filhos tinham ainda. Todo mundo ali, bebendo e comemorando. A criança mesmo, coitada, não tava entendendo nada.
Foi tratado como macho, ganhou uma coleção de carrinhos de dar inveja ao Ken, bolinhas de gude e algumas especiais feitas de ferro, que só ele tinha, pião, ioiô do modelo mais descolado que se tinha no mercado. Quem disse que adiantou alguma coisa. Mas calma, melhor deixar para depois.
Já que o papai foi pra roça e a mamãe foi passear, quem cuidava era a vovó. Paparicava, dava leite com pêra e ovomaltino para o pinduquinha da Vovó. Cheios de dedos, ninguém permitia que ele brincasse na rua feito uma criança normal. Porque se sujasse faria mal, porque o homem do saco leva embora, porque esses meninos que ficam por aí são um bando de marginalzinho que a mãe não tá nem aí.
Na escolinha passou a ter aversão a brincadeiras agressivas, preferia desenhar, cantar musiquinhas, ser o marido quando as amiguinhas brincavam de boneca. Homem que é homem sabe que menino que brinca com menina quando é criança tem forte tendência a não ter volta. E nesse caso, ser o marido não conferia nada sexual, apenas era o que ele gostava de ser e com quem ele gostava de ficar. Ao lado das meninas ele se sentia protegido num mundo encantando, com little ponys, sem machucados no joelho, sem brigas e boladas. Sentia-se aninhado, assim como vovó o deixava, assim como a superproteção materna o criara.
O paizão não entendia aonde errara quando via certos comportamentos do filhão e seu péssimo relacionamento com uma bola de futebol, com o joguinho de luta, com os primos mais velhos que pentelhavam e quebravam vidraças e brigavam e eram superativos enquanto o filho ficava ouvindo a conversa dos adultos, das primas na faculdade...
Com o passar dos anos o filho do papai não entendia como a vida funcionava. Nunca dantes pudera ver a realidade por si só e se entender. Discriminação foi uma nova palavra e um novo conceito que passou a sentir na pele. Soube encontrar algumas respostas para o que chamava viver, encontrou a sua tribo, superou o conceito da discriminação, bateu de frente com essa palavra e passou a sentir orgulho de ser o que era. O primeiro porre o Paizão não viu, foi numa boate. No meio da bebedeira contou o quanto se sentia preso, o quanto odiava a pressão sobre ele, as perguntas indiscretas de seus pais. Aprendeu a beber, a fumar, a se vestir de maneira peculiar. O filhão cresceu. Pode-se dizer que se libertou, deixou de ser uma pupa para virar uma belíssima borboleta.
Seus pais mal conseguiram ouvi-lo dizendo que se assumira - Pai, Mãe, sou gay - e que agora namorava alguém que gostava muito e o entendia e completava. Ainda bem que mamãe faleceu, ela não suportaria ouvir o seu netinho que ela cuidou com tanto carinho dizer tal coisa, a Mãe disse.
O Papi calou-se tal qual a multidão do estádio fizesse 1 minuto de silêncio em respeito a alguma causa nobre. Abriu os seus braços de Cristo Redentor e perguntou aonde é que tinha errado, meu Deus, enquanto olhava para o céu e falava com a sua fé.

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