03/05/2009

O buraco é mais embaixo

A violência pode começar a se firmar como coisa palpável, saindo da tela da televisão, para uma criança, dentro da própria casa. Ao ver algum ente familiar, como a mãe, apanhando, ou sendo o próprio agredido, segundo pesquisa nacional conduzida pelo Laboratório de Estudos da Criança (Lacri) da Universidade de São Paulo, a criança tende a se tornar uma pessoa agressiva. Pode-se associar este fato, ao das crianças de rua, que perdem o coração e a inocência de tanto levar pancada da vida que levam e se transformam, muitas vezes, em “Sandros”, como pudemos acompanhar no ano 2000, autor de um atentado em ônibus coletivo do Rio de Janeiro.
Da mesma forma podemos analisar os presídios do Brasil e seus presidiários. Celas sujas, descaso, maus-tratos. Coisas bem diferentes da proposta inicial da prisão, sugerida teoricamente por Iluministas no século XVIII, a qual seria uma forma ideal de punição, porque ao mesmo tempo em que pune, corrige. O que vemos, na prática é mais revolta por parte dos presos, ao serem libertos, do que quando entraram. A prisão gera somente mais ira, devido à forma como são tratados: como lixos, vermes.
Temos então que a violência vem de muitos lados. E essa violência, como vimos, pode ser gerada por assimilação da vida e da realidade, por maus-tratos, por revolta causada por injustiça, mas o que realmente é fato, é que violência gera violência. Dentro dos nossos carros blindados, com nossos corações blindados, fechamos as janelas, de vidros insulfilmados, nas caras de pedintes, sem dor. Agimos de acordo com nossos princípios, mas pensamos no que causamos para o outro? Tentemos nos colocar no lugar dos menos privilegiados. Difícil, não é? Ou façamos melhor, já que não é bom sentir o que “esses” sentem, imaginemo-nos em nossa boutique preferida. Fomos atendidos “despolidamente”. Pronto, foi o suficiente para ficarmos indignados com tamanha falta de educação conosco, os clientes. Agora, imagine receber vários “nãos”, várias “fechadas” de vidro nos nossos rostos; imagine não ter ninguém que te dê um voto de confiança. Não digo, com isso, que devemos abrir nosso sorriso e nossa carteira para qualquer pessoa que venha nos pedir. Quero que analisemos qual é a nossa contribuição nessa violência que vemos por aí, nos noticiários, nas rodinhas sociais, no dia-a-dia.
Como falei em educação, esse é outro aspecto que sempre levamos em consideração, já que temos tanto. Corremos o risco de olharmos para os pobres da rua e sugerirmos uma solução rápida: “por que não vão estudar, trabalhar? São fortes e ao invés de ficar pedindo por aí, por que não vão procurar algo pra fazer?”. É muito fácil também atribuirmos a culpa ao Estado “que não constrói escolas, creches, só sabe pegar e pagar vôos...”. Somos facilmente levados, ludibriados pelo canto de sereia que nos leva sempre à “meteção de pau” e depois à morte. Assim, como para nós é mais fácil passar pela porta larga e abrir a boca e falar mal do governo, na formação torta do Estado, sem olhar pra nossa própria lepra, imagine para quem nasce numa favela, onde as oportunidades “dizem tchauzinho”. Passar pela porta estreita que leva ao caminho do bem? Roubar, traficar, matar ou morrer, esse é o lema da favela.
Mas me diga, o que o cidadão consegue tirar de bom, de exemplar, em um país onde os próprios policiais que combatem o tráfico traficam? Pender para o lado mais fácil, mais prático “é o que vira” por aqui.
A situação caótica do País, mergulhado na violência é processo de anos, de anos de descaso, de sangria desatada de ter, de consumir, de ser...
O Brasil, a violência, os buracos nas ruas e nos estômagos não podem ser encobertos por movimentos politicamente corretos e demagógicos. Bolsa Calango, Campanha do Trapo Furado. Meninos de rua querem visibilidade, querem atenção, querem McDonalds, diversão e arte, querem inteiro e não pela metade.

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