Lá estava ele, imóvel, quase petrificado. Outra pessoa, menos alegre, menos forte, porém vivo. Vivo ali comigo, naquele momento, vivo ali todos os dias, vivo dentro dele mesmo desde sempre, vivo com seus pensamentos, que devem ser muitos, e vivo com sua vontade de viver, vivendo na uti de um hospital público, há mais de cinco meses, sem poder ver o sol nascer ou morrer, sem sentir a brisa de um dia qualquer em seu rosto...
Eu, que havia perdido a fé na vida, hoje tive uma prova de que ela move montanhas e que de fato, milagres acontecem. Eu vi um milagre bem na minha frente hoje. Um milagre que timidamente piscou, que timidamente me olhou, que timidamente se movimentou, mas que brilhou tanto quanto o sol diante dos meus olhos. O milagre é o Gui. É ele estar vivo, depois de tudo o que ele passou.
Pouco chorona, não consegui ser forte o tempo todo e embora eu quisesse ficar ali firme com ele, não pude suportar por muito tempo. Lembrei da época em que brincávamos na rua cinco, aquele menino jogador de bola, empinador de pipa, torcedor convicto da macaquinha, bonzinho demais, gente fina, que se tornou um bom homem, bonito, forte... E ele ali agora, naquela situação...
Ao sair de lá, minha cabeça não parava um minuto, além de lembrar de tudo isso e muito mais, lembrei de um livro que marcou muito a minha vida, que dá título a esse texto. O Gui vive enclausurado em si mesmo, assim como viveu Jean Dominique Bauby, a pessoa que com o piscar dos olhos escreveu esse livro. Fiquei pensando nas coisas que se passam em sua cabeça, no seu sofrimento, na sua vontade de viver. Pensei em sua família, pensei muito neles. É um mar de dor, uma imensidão de dor que não tem fim...
Não somos nada, ninguém é melhor que ninguém neste mundo, pois basta um momento, UM MOMENTO, para que tudo o que você tinha vá embora e você pode estar dependendo de outras pessoas, você pode perder tudo o que você julgou mais importante até agora e do dia para a noite simplesmente não ter mais nada. E de que adiantou toda soberba? Toda má educação? Todo o desrespeito para com o próximo? Tanto egoísmo? Tanto julgamento? DE QUE ADIANTOU TUDO ISSO?
Diante de uma situação como essa eu repenso toda a minha vida, me julgo muito fútil diante de certas coisas e me volto pra mim mesma e para as pessoas que eu convivo e me dá vergonha de ver o quanto reclamamos desnecessariamente. Mais da metade dessas pessoas não têm motivos para reclamar, reclamam apenas por não terem nada melhor para fazer... Eu não posso suportar de hoje em diante que reclamem da vida, não posso, ainda mais depois do que vi hoje.
Uma pessoa, que alguns diriam estar inválida, tem lutado muito pra se manter viva, aos trancos e barrancos e não parece desistir diante de todas as dificuldades e promessas terríveis de morte, amputação de membros entre outras predições sem fé...
Para mim, ele é a borboleta voando e todo o resto é o escafandro.